sexta-feira, 20 de julho de 2012

O jardim secreto do Sr. Jacinto

O Sr. Jacinto era um homem triste e cinzento que vivia numa cidade triste e cinzenta.

Há já muitos anos que o último jardim daquela capital tinha sido destruído para dar espaço a um enorme centro comercial para o qual a população afluiu como formigas à caça de migalhas de bolo no final de uma festa de anos. Porque já não existiam árvores na cidade, este e as restantes centenas de centros comerciais da zona tinham de ser abastecidos com ar fresco importado de outras regiões do mundo. No entanto, diziam os especialistas, era tudo pelo bem da economia.

Para o Sr. Jacinto, nada disto fazia sentido e mantinha em sua casa uma sala repleta de vasos de plantas que tratava com carinho e admiração. Entre as flores, encontravam-se orquídeas, margaridas, celósias, astromeias, cravos e uma enorme estrelícia. Entre as árvores de pequeno porte havia  vários bonsai, uma nespereira, uma árvore de pomelo e um limoeiro. No seu pequeno jardim, Jacinto tinha também salsa, manjericão, tomate, cenouras e alface.

A existência do refúgio verdejante não era segredo para os seus vizinhos, mas não era visto com bons olhos:

- Quem acha ele que é? - Questionava o queixoso do rés-do-chão (tão queixoso que só podia viver em pisos térreos porque as escadas não aguentavam tanto queixume) - Andamos nós a trabalhar para o bem da economia e vem este tipo plantar as suas próprias melancias!

- De facto. A conduta indesejável do cavalheiro nosso propínquo é deveras ignóbil. - Respondia o pseudo-intelectual do 3º (tão pseudo que só lia clássicos com mais de 500 páginas e que tivessem sido escritos há mais de 200 anos) - O consumo de produtos produzidos em ambiente privado controlado não é propício ao trânsito quimérico de bens e valores que é imperativo para a prevalência de uma economia salutar. "O dinheiro é o único poder que não se discute", já dizia Alexandre Dumas.

- Err... Pois... Isso. E ainda por cima não faz o dinheiro circular! - Concluía o queixoso.

- Foi isso que eu disse.

- Ah foi?

- Foi.

- Ah.... Prontos.

E voltavam os dois para as suas vidas cinzentas, nos seus apartamentos cinzentos, num prédio cinzento da capital cinzenta.

Certo dia, a informação de que ainda existia um pouco de verde na cidade chegou aos directores de uma qualquer agência governamental de protecção do consumidor. Naturalmente, não tardou muito para que a casa do Sr. Jacinto fosse invadida por uma equipa de intervenção composta por 10 homens totalmente equipados e armados até aos dentes.

Em menos de nada, todas as plantas do Sr. Jacinto tinham voado pela janela da sala "pelo bem da saúde pública e no interesse do combate à economia paralela".

Deixado sozinho no rescaldo da invasão domiciliária, Jacinto olhava embasbacado para a parede onde antes estava a plantação vertical de tomate. Sem que tivessem dado por isso, a equipa de intervenção tinha revelado algo que ele nunca tinha visto antes.

Na parede desnudada estava agora uma pequena janela de caixilho branco.

E do outro lado, um enorme jardim de mil cores estendia-se até perder de vista.

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